Brasil: aberto inquérito por genocídio contra os Yanomami

25 de janeiro 2023 - 17:44

Só em 2022, 99 crianças com menos de cinco morreram nos territórios indígenas Yanomami. Lula visitou-os, considerou tratar-se de um genocídio, declarou emergência de emergência de saúde e vários responsáveis da Funai foram demitidos.

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Lula durante a sua visita aos Yanomami. Foto Ricardo Stuckert/PR.
Lula durante a sua visita aos Yanomami. Foto Ricardo Stuckert/PR.

O ministro da Justiça e Segurança Pública do Brasil, Flávio Dino, anunciou a abertura de um inquérito policial por genocídio depois de terem sido publicados dados oficiais sobre a morte de 99 crianças com menos de cinco anos em 2022 nos territórios do povo Yanomami. Entre as causas de morte estão pneumonias, gastroenterites, diarreias, hemorragias e mal-nutrição grave.

À CNN Brasil, o governante diz que há “indicações muito fortes de uma recusa de assistência alimentar e sanitária a estas populações indígenas”. E, para além disto, em causa estão também crimes ambientais e desvio de recursos públicos. O Ministério Público Federal já em novembro realizou uma operação contra fraudes que terão retido medicamentos como vermífugos e que deixaram 10.193 crianças indígenas sem assistência. Este organismo dizia então que 52% das crianças Yanomami estavam desnutridas e que nas comunidades mais isoladas o número alcançava os 80%.

Ao mesmo tempo, o governo exonerou ou dispensou 54 responsáveis da Funai, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas, que tinham sido nomeados pela administração de Bolsonaro, entre os quais três membros da chefia, 22 coordenadores regionais, 15 coordenadores setoriais e seis diretores, assessores e secretários vinculados diretamente à presidência. Entre os funcionários dispensados há 13 militares.

Isto acontece depois de uma visita do presidente Lula da Silva ao território, das suas declarações de choque perante cenas desumanas, da declaração de emergência em Saúde Pública de Importância Nacional e do anúncio de ações federais de emergência. Os militares foram mobilizados para o terreno e um hospital de campanha está a ser montado. 16 indígenas vítimas de mal-nutrição estão a receber tratamento de urgência.

As terras dos Yanomami, nas florestas de Roraima e no Amazonas, ocupam perto de dez milhões de hectares e nelas vivem mais de 30 mil pessoas. São territórios demarcados desde 1992 mas têm vindo a ser invadidas por garimpeiros, sobretudo a partir de 2016. A situação intensificou-se durante o governo de Bolsonaro e deixa um rasto de devastação ambiental, com a contaminação dos rios, por exemplo, para além da proliferação de doenças que são letais para os indígenas. Apenas no ano passado, registaram-se 11.530 casos de malária na região.

Lula fala em genocídio, Bolsonaro em Internet

Quando visitou os territórios indígenas, Lula utilizou claramente a expressão genocídio para qualificar o que se estava a passar: “mais do que uma crise humanitária, o que vi em Roraima foi um genocídio: um crime premeditado contra os Yanomami, cometido por um governo insensível ao sofrimento”.

Bolsonaro reagiu de maneira diferente. Durante o seu mandato presidencial, criticou a dimensão das reservas, prometeu abri-las à exploração mineira e reduziu proteções ambientais. E esta terça-feira, perante alguns apoiantes em Orlando, nos Estados Unidos, disse, segundo a Folha de São Paulo, que quando numa viagem a São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, perguntou a indígenas Yanomami o que queriam a resposta foi “Internet”.

Segundo ele, “nós temos o que o Brasil precisa para o agro. Alguns estão em terras indígenas. Tem um projeto na Câmara, que acho que não vai para frente agora, para poder explorar isso, dando royalties para os indígenas, se assim eles concordarem. Muitas tribos, muitas etnias passaram a investir no agro, o [povo] Paresi já vinha investindo lá em Mato Grosso, outras vieram. Levamos internet para as aldeias. Eu tive uma vez lá em São Gabriel [da Cachoeira], conversei com alguns yanomamis. Eu perguntei: o que vocês querem? Internet.”

Já muitos dos seus apoiantes nas redes sociais, como mostra o Notícias UOL, trataram de atacar a ação de socorro de emergência militar desencadeada no Roraima ou de ironizar com a fome dos Yanomamis ou de os tratar como venezuelanos e não brasileiros.