Ecos da política durante a pandemia na educação

porAntónio Lima

29 de dezembro 2022 - 23:03
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É mais do que evidente que muitas centenas de crianças ficaram para trás nos Açores num período absolutamente determinante do seu percurso escolar, como são os primeiros anos do ensino básico, e isso terá um impacto, ainda por determinar, mas muito significativo na sua vida.

Os Açores apresentam vários atrasos estruturais, alguns de difícil superação. Temos de fazer muito mais do que o resto do país para atingirmos os mesmos níveis de desenvolvimento, tendo, no entanto, condições de base - geográficas, sociais e económicas - em regra, muito desfavoráveis. Não é tarefa fácil e os erros nas políticas pagam-se ainda mais caro, pois podem fazer-nos perder anos na recuperação desses mesmos atrasos. Perante problemas novos e inesperados a responsabilidade de quem governa aumenta ainda mais.

Recentemente, têm sido conhecidos indicadores importantes que permitem começar a avaliar algumas das opções tomadas durante o período mais crítico da pandemia na educação. O INE publicou recentemente dados relativos à desistência e retenção no ensino básico e secundário.

Os dados revelados pelo INE merecem uma abordagem científica urgente que permita aprofundar as inúmeras interrogações que suscitam. Mas desde já devem merecer a reflexão de responsáveis políticos e dos diversos intervenientes do setor da educação.

Um dos dados mais preocupantes prende-se com a taxa de retenção e desistência no ensino básico que, pela primeira vez desde o ano letivo 2013/2014, aumentou. E não estamos a falar de um aumento ligeiro, como aconteceu no continente ou na Madeira de cerca de 1 pp, mas sim da quase duplicação dessa mesma taxa de 3,7% para 6,4%. O que compara muito mal com os 3,1% no continente ou os 2,8% na Madeira!

Para termo de comparação, no ano letivo de 2019/2020 a diferença entre a taxa de retenção no ensino básico nos Açores para a média nacional era de 1,5 pp e no ano letivo seguinte - 2020/2021 - passou para 3,3 pp. A diferença mais do que duplicou. No 1.º ciclo a taxa de retenção é mais do dobro (4,7% nos Açores vs 2,1% na média nacional) e no segundo ciclo a taxa de retenção nos Açores chegou aos 9,9%!

É mais do que evidente que muitas centenas de crianças ficaram para trás nos Açores num período absolutamente determinante do seu percurso escolar, como são os primeiros anos do ensino básico, e isso terá um impacto, ainda por determinar, mas muito significativo na sua vida.

Ao reparar na disparidade dos números que encontramos nos Açores relativamente aos números a nível nacional, é impossível não questionar sobre quantas destas crianças terão ficado retidas devido ao encerramento de escolas durante a pandemia. Assim como é impossível não questionar o papel da política do governo regional em encerrar escolas indiscriminadamente ao primeiro caso de covid-19 ao invés de isolar turmas.

Ainda em janeiro de 2021, o Bloco propôs no parlamento dos Açores a realização de um estudo sobre os impactos do encerramento de escolas e do ensino à distância, proposta essa aprovada por quase todos os partidos. Continua a ser fundamental que estes estudos se realizem. Os indicadores do INE demonstram a sua importância e urgência.

Mas há lições que devemos tirar desde já das decisões tomadas. Tudo indica que foram cometidos sérios erros que fizeram os Açores retroceder e divergir ainda mais do todo nacional ao nível da educação. O esforço que a partir de agora será necessário para recuperar esse atraso é ainda maior e mais urgente. Acima de tudo, o impacto na vida de cada uma das crianças afetadas tem de ser mitigado.

António Lima
Sobre o/a autor(a)

António Lima

Deputado do Bloco de Esquerda na Assembleia Regional dos Açores e Coordenador regional do Bloco/Açores
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