Fez-se luz sobre o negócio do fuelóleo

porAntónio Lima

20 de dezembro 2022 - 22:51
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O problema não está do lado do regulador. Poucas dúvidas restam de que o problema está do lado do contrato e da rendibilidade obscena que ele garante à Bencom. Talvez tenha sido por isso que o governo do PSD/CDS/PPM tanto se esforçou por escondê-lo.

Já escrevi, neste mesmo espaço, sobre a opacidade do contrato de fornecimento de fuelóleo à Região para produção de energia elétrica e as dúvidas quanto à formação de preço e a rendibilidade deste negócio.

Recordo que o fornecimento de fuelóleo à região é feito em exclusividade pela empresa Bencom, do grupo Bensaude, maior acionista privado da EDA, existindo um contrato entre o fornecedor e o governo regional que define os termos deste fornecimento.

Até hoje desconhece-se com clareza como se forma o preço do fuelóleo fornecido à EDA pois o governo regional afirma que “desconhece o que foi decidido pelos anteriores governos sobre esta matéria e que conduziram ao cálculo desses montantes”.

Além deste contrato de exclusividade, existiu um contrato paralelo, assinado também em dezembro de 2009, entre o governo regional e a EDA, que obrigava a região a suportar o “eventual diferencial que se verificar entre o custo real suportado pela EDA na aquisição de fuelóleo e o custo de aquisição de fuelóleo para a produção de energia elétrica aceite pela ERSE em conformidade com o disposto no seu Regulamento Tarifário”.

Isto é, se o custo com o fuelóleo suportado pela EDA ultrapassasse o limite definido especificamente para os Açores pela ERSE, a região compensaria financeiramente a EDA. Ora esse contrato foi suspenso em 2012 mas permitiu conhecer o valor desse diferencial que, de 2010 a 2023 atingiu 6,4ME que não foram pagos.

A dúvida permaneceu quanto ao valor do diferencial entre o custo real do fuelóleo e o custo aceite pelo regulador entre 2013 e 2021. O Bloco de Esquerda fez todos os esforços junto do governo regional para conhecer esse valor, quer por escrito, quer oralmente em plenário, mas o governo escondeu-o sempre.

Se o governo achava que através da opacidade iria proteger os poderosos interesses em causa, enganou-se. Através de requerimento à ERSE tivemos acesso ao valor em causa. De 2009 a 2021 - período de vigência do contrato de fornecimento - a EDA foi penalizada em 22ME nos seus resultados.

Esse valor poderia ter sido transformado em resultados da EDA e utilizados em investimento público, por exemplo.

Como é óbvio se alguém perdeu, é sinal de que alguém ganhou e o fornecedor monopolista está a ganhar e muito.

Mas será que este contrato é mesmo benéfico para o fornecedor ou será que é o regulamento tarifário que está desajustado, como defende a EDA? Os lucros da BENCOM nos anos de 2018, 2019 e 2020 atingiram 8,9, 10,6 e 6,3ME, respectivamente. Mas certamente que a Bencom faz muito mais do que vender fuelóleo à EDA… ou talvez não. Mais de 90% dos valores de vendas da Bencom nesses anos são compras de fuelóleo por parte da EDA e as suas taxas de rendibilidade estão a anos luz acima do que é a média do setor.

O problema não está do lado do regulador. Poucas dúvidas restam de que o problema está do lado do contrato e da rendibilidade obscena que ele garante à Bencom. Talvez tenha sido por isso que o governo do PSD/CDS/PPM tanto se esforçou por escondê-lo.

PS: Não posso deixar de registar que a reportagem da RTP/Açores sobre a audição do Presidente da EDA em comissão parlamentar sobre este assunto não tenha tido direito a chegar ao Telejornal e que tenha desaparecido da página do Facebook da mesma estação de televisão.

António Lima
Sobre o/a autor(a)

António Lima

Deputado do Bloco de Esquerda na Assembleia Regional dos Açores e Coordenador regional do Bloco/Açores
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