Entrevista: José Falcão, uma vida de combates

Foto de Pedro Gomes Almeida.

A vida de José Falcão - o Bolche, como é conhecido - confunde-se com a das lutas e dos movimentos sociais que se desenvolveram nos últimos 50 anos.  Filho de militar, de quem herdou o nome, viveu parte da infância e juventude no Colégio Militar, e aí soube que as regras existiam para serem subvertidas. A consciência política nasce aí e desenvolve-se nos grupos de estudo clandestinos durante a faculdade, que vão roubando cada vez mais tempo à prática do futebol no clube de bairro. Diz que levou dois anos a perceber que o curso de Medicina não era a sua praia e é na faculdade que o 25 de Abril o apanha, prestes a aderir à militância na Liga Comunista Internacionalista (LCI). Já envolvido em associações de bairro no concelho de Cascais, organiza as ocupações de casas na comissão de moradores que tinha sob sua “jurisdição” a casa que era de Américo Tomás. Para ganhar a vida, fez de tudo um pouco desde criança: biscates diversos, construção civil, venda de livros e de reproduções de quadros célebres porta a porta, castração do milho no Béarn e no País Basco francês ou limpezas na Alemanha nas férias de verão, incluindo a piscina do Deutsche Bank em Frankfurt. Torna-se ferroviário na Linha de Cascais e intervém na comissão de trabalhadores, onde as suas listas marcam a diferença face às do PS e do PCP. Uma hérnia discal atira-o para a reforma precoce da CP e para décadas de política a tempo inteiro no Partido Socialista Revolucionário (PSR), criado após a unificação da LCI com o PRT. Organiza atividades e as finanças do partido, aproveitando a sua veia precoce de vendedor, que ainda hoje é bem visível para quem com ele se cruza… Nas viagens que faz em férias ou em missão partidária reúne muitas amizades no País Basco e no Estado espanhol, onde regressa vezes sem conta. Atravessa o recuo da esquerda nos anos 1980 e organiza a resistência através da música no Bar das Palmeiras, local de atração para as bandas do rock alternativo à mistura com as campanhas antimilitaristas. É lá que vê morrer assassinado pelos skinheads José Carvalho, companheiro de casa, de férias e de todos os combates. Da reação a esse choque nasce a intervenção antirracista, com a fundação do SOS Racismo. Passados 30 anos, diz que a maior vitória da associação a que se dedicou quase em exclusivo foi a de ter ajudado a criar as condições para que hoje existam protagonistas das comunidades racializadas a darem a cara por esta luta. Funda o Bloco de Esquerda em 1999 e é aqui que desenvolve trabalho autárquico. Eleito várias vezes deputado municipal em Odivelas, afirma que a experiência só veio reforçar as suas críticas à organização do poder local em Portugal.

Comecemos pelo princípio. Fala-me do pequeno Bolche.

Nasci em Lagos, apesar de vivermos em Vendas Novas. A minha mãe era de Lagos e fazia questão que os filhos nascessem lá. Vivi em Vendas Novas até aos dois anos, depois fui para Macau cinco anos, a seguir estive um ano em Lagos, onde fiz a segunda classe e voltámos para Vendas Novas até os meus pais irem para Tete, em Moçambique. Aí eu estava internado no Colégio Militar e só ia lá vê-los nas férias de verão, em 1964 e 1965. Em 1966 já havia casa em Cascais, dentro do quartel, quando o meu pai, que era coronel, veio para comandar o CIAAC. Vivi sempre dentro de quartéis ou ao lado, também em Nampula mais tarde, quando saí do Colégio Militar e fiz lá o 7º ano, o último antes de entrar na faculdade. Aos fins de semana, às vezes ia a Vendas Novas a casa de uns tios, outras ficava dentro do colégio. Preferia ficar lá dentro porque tinha “subvertido” as normas do colégio e tinha aquilo “quase só para mim”. Ao todo passei lá oito anos, entre 1961 e 1969, nessa altura já tínhamos casa no Outeiro da Vela, em Cascais. Quando veio o 25 de Abril eu era o presidente do Grupo Desportivo e Recreativo do Fontaínhas, onde joguei à bola desde que cheguei de Nampula em 1970 e fui viver para o Outeiro da Vela.

E como é que foi crescer nesse ambiente de quartel em quartel?

A educação era militar, mas eu pensava como um puto dentro do quartel. Em Vendas Novas havia as batalhas de bairro como havia noutros sítios, mas aqui eram os filhos dos militares contra os tipos de fora. E batalhas mesmo com pressão de ar. Como o meu pai tinha cinco filhos, três raparigas e dois rapazes, desde os sete anos que eu andava a fazer pela vida. Em Lagos trabalhava no papel com o meu avô, que recolhia papel para vender fardos para as papeleiras. E ele pagava-nos. Havia uma vez por mês em que vendíamos papel de jornal para as lojas, que usavam como papel de embrulho. Além de ajudar o meu avô, apanhava conchas e fazia bonecos de conchas para vender nas lojas. Ficava muito contente porque vendia aquilo a 5 escudos e depois via nas montras à venda por mil escudos. Lembro-me que ficava todo orgulhoso por ver que o meu trabalho valia tanto, sem perceber que o tipo ganhava 995 escudos sem fazer nenhum, a não ser pôr aquilo na montra. E também andei a apanhar burriés e a vender aos amigos e família. Sempre me desenrasquei a vender. Mesmo em Vendas Novas, os oficiais não punham o pé no quintal que estava lá atrás. Exceto eu, que ia la buscar os ferros velhos ou apanhar caracóis para vender…

Que memórias guardas dos anos no Colégio Militar?

Posso dizer que a minha atividade política começou no Colégio Militar, embora fosse um “anarca”, ao perceber o que era o Colégio, o militarismo e as praxes, que eram duríssimas. Eu sofri uma das piores praxes, que era “ir à 4ª companhia”, a dos tipos mais velhos, só porque pus o pé no primeiro degrau das escadarias dos alunos mais velhos. Depois do jantar havia sempre violência sobre os miúdos mais novos. Ao longo da minha passagem tentei sempre subverter aqueles esquemas e nos dois últimos anos a gente acabou com as praxes quase todas. Logo quando entrei, houve uma greve de fome em solidariedade com os estudantes da crise académica de 1962. Mas aí foi uma greve da fome “a mando”,  que todo o Colégio cumpriu durante uma semana. No final do primeiro ano apanhei uma apendicite e isso “rendeu-me” quase os anos todos do Colégio. Fui escapando a quase todas as grandes paradas até ao último ano. Estive só num 10 de Junho, que eram quatro horas ao sol no Terreiro do Paço… 

À mesa no Colégio Militar (o quinto à esquerda a contar da frente)

O Colégio estava dividido por batalhões e companhias, consoante o ano. No último ano, os alunos eram todos comandantes de qualquer coisa, mas os mal comportados não eram comandantes de coisa nenhuma e eram chamados furriéis. Por causa do meu “brilhante” comportamento nos anos de Colégio, era furriel. Com o Alberto Matos ou o Miguel Pinto que também lá estavam… Eu sempre gostei de fazer desporto e quando estava no Colégio Militar era da seleção de basket - com o José Fanha - e comecei também a jogar à bola. Nos torneios “oficiosos” que fazíamos nas camaratas com umas bolinhas pequenas e balizas mais pequenas que as de hóquei, quatro contra quatro, ganhei uma data de campeonatos. Um da minha equipa era o Ricardo Magalhães, que foi Secretário de Estado…

Seleção de Basket do Colégio Militar (1965/1966) onde se pode ver o José Fanha (nº 10) e o José Falcão (nº9)

Os “furriéis” do Colégio Militar eram todos mais ou menos “organizados” politicamente. Eu tinha as chaves do colégio, uma vez fui buscá-las a um sábado, quando lá ficava, sem o empregado topar, e fiz cópias cá fora. Tinha quatro chaves que abriam mais de quarenta fechaduras, de salas, corredores, ginásio, refeitório, enfermaria. Íamos à copa buscar os chouriços e à enfermaria buscar o álcool para os assar. Toda a gente do último ano sabia que eu tinha as chaves e acabei por arranjar chaves para todas as portas.

No Colégio Militar, com mais de 30 dias de suspensão era-se expulso. Eu já tinha muitos dias de suspensão no quinto ano e só me safei da expulsão porque numa das provas práticas em Mafra, a minha companhia estava cheia de tipos que andavam só a gozar com aquilo, mas quando chega à prova de combate decidi que a ia fazer, porque gostava. Era da terceira equipa e consegui apanhar a segunda e chegar ao mesmo tempo da primeira. O capitão que me ia dar um mau a comportamento viu aquilo e safei-me do mau por causa dessa prova. No último ano fui acumulando dias de privação e o Reimão Nogueira, que era o comandante, aumentou uma das penas para ficar com 29 dias. Foi o melhor que me aconteceu, porque a partir daí quem me sancionasse ficava com o ónus da minha expulsão. A partir daí fiz o que quis lá dentro.

E como era ser filho de um militar? Acabou por te permitir conhecer Moçambique…

O meu pai tinha cinco filhos e o salário era baixo. O 25 de Abril não foi evidentemente por causa da revolução socialista, mas porque as condições militares eram muito más. Ele vai para Macau em 1953 para fugir aos cursos do Estado Maior para formar altas patentes. Não era nenhum revolucionário, mas não estava para essas coisas. Cinco anos depois é chamado para os testes e chumbou de propósito.   

Em Tete, o quartel era de um lado e a messe do outro lado. E a psico, o local onde os militares portugueses iam educar a crianças africanas, ficava atrás da minha casa. Eu com 13 ou 14 anos jogava à bola com os putos brancos ao lado do quartel e ao fim da tarde era o único dos brancos que ia jogar à bola com os putos africanos. A partir daí nunca mais larguei o futebol. Na altura, Tete não tinha guerra. O meu pai era o comandante do quartel de Tete, levava-me às picadas nos reconhecimentos em que passávamos 15 dias fora do quartel. No inverno de lá, os chefes de aldeia (brancos) estavam isolados e os militares iam lá.  

Agosto de 1964 em Tete/Moçambique, com o alferes Marques Madeira e uma cobra.

Como o meu pai tinha de fazer pela família, que era grande, dava também aulas no Liceu de Tete e explicações para preparar os exames. Lembro-me quando tinha 13 ou 14 anos que ele dava explicações a rapazes com 18 anos que iam lá a casa três vezes por semana. Eu dava-me bem com eles, apesar da diferença de idades. Meses mais tarde, nos aerogramas que o meu pai me mandava, diz que eles tinham sido presos e acusados de serem terroristas. E eu aí comecei a perceber. Terroristas, aqueles gajos? Não batia certo… Tinham sido presos pela PIDE e não sei o que lhes aconteceu depois.

O meu pai era um humanista católico. Quando íamos na picada, ele era o comandante e o motorista era um soldado negro. Mas três quartos do caminho era o meu pai a conduzir e o motorista a descansar. Era um militarista mas também um humanista. Na segunda  comissão em Metangula/Lago Niassa, foi para uma zona de guerra e ao segundo mês teve um enfarte. Veio para Nampula, onde estavam a instalar o quartel-general e precisavam de gente. Para não o mandarem embora, puseram-no no tribunal militar. O substituto do meu pai no comando do quartel era um sacana que estava sempre a castigar os tipos. E ele passou o resto do tempo a “safar” os que iam lá parar ao tribunal. Ao contrário de outras patentes mais altas, ele ia para os copos com os soldados. Mais: no Cancioneiro do Niassa, que depois o Público aproveitou - estou convencido que foi a partir duma gravação que eu tinha e lhe perdi o rasto - houve um “concerto” de uns tipos do quartel do meu pai que cantavam as músicas conhecidas mudando as letras. As misturas dessa gravação foram feitas lá dentro. A PIDE sabia mas nunca conseguiu apanhar ninguém, apesar de estar muita gente nessa gravação, eu estava lá nessa casa.

Quando vem o 25 de Abril, o meu pai está em Évora, onde tinha sido a primeira reunião dos militares de Abril. Estava de certeza ao corrente das preparações. Quando outros militares iam lá a casa, lembro-me dele dizer “desta vez é mesmo a sério”. No 25 de Abril foi ocupar a PIDE de Évora.

Regressando ao percurso escolar, eras bom aluno?

Na escola perdi o 5º e o 7º anos, mas quando chumbo o 7º vou para Moçambique para acabar o liceu. Não passei à minha melhor cadeira, fisico-química, por causa da professora que me tomou de ponta, e anulei a matrícula. Acabei por fazê-la no Porto, onde fui estudar para casa do Luís Filipe Menezes, que é meu primo. A mãe dele fez um “negócio” com a minha, porque ele tinha três cadeiras para fazer e ela queria que ele estudasse mesmo.

Entrei logo na faculdade e escolhi Medicina, que era o que eu pensava que gostava, era bom em ciências e química. E tinha notas para dispensar o exame de aptidão. Saí quando passei para o quarto ano, na altura o curso eram seis anos mais o estágio. Fui para lá a pensar que ia ser psiquiatra, mas ao segundo ano percebi logo que não estava ali a fazer nada. Chumbei o segundo ano de Medicina e não podia chumbar mais nenhum nem dava para mudar de curso, porque já tinha chumbado o 5º e o 7º. Saio oficialmente em 1975, porque ainda paguei propinas de 1974 para 1975. Foi uma grande sorte, porque depois foi decretado que os que pagaram propinas nesse ano deixavam de fazer o serviço militar…

E durante o curso também trabalhavas?

Sim, sempre trabalhei, muitas vezes a fazer biscates. De 1973 para 1974, no meu último ano em Medicina, trabalhava na Movirecord - empresa que tinha a concessão da publicidade da RTP - a fazer escrutínio de um concurso que tinha uma adesão brutal, com milhares e milhares de pessoas a mandarem postais. Ganhava 4.500 escudos, era um disparate, muito acima do salário mínimo (criado em 1974 e fixado em 3.300 escudos), dava para ajudar nas despesas da casa. Nunca recebi mesadas e nunca chateava para me darem dinheiro porque sabia que a situação não era fácil. Trabalhei na Caixa Geral de Depósitos a fazer substituições nas férias dos funcionários, andei a vender porta a porta reproduções de quadros célebres. Como vivia em Cascais, tinha uma carteira de bons clientes. Estive em casa do Jorge de Brito a escolher molduras para pôr esses quadros numa discoteca de Cascais. Uns anos depois voltei lá para ocupar a casa, quando ele foi detido no 11 de Março.

E a política organizada, quando é que aparece?

Na faculdade não tinha grande vida académica, fui sempre às aulas até ao 25 de Abril, mas como ia trabalhando sempre não estava nas coisas para além dos plenários de estudantes. A partir de 1973, o pessoal ligado à Quarta Internacional começou a contactar-me e mandava cartas para minha casa. Tive de lhes dizer para não fazerem isso porque o meu pai era militar e estava sob vigilância, como estavam todos os comandantes naquela altura.

A minha iniciação à política organizada, digamos assim, foi quando ia estudar os livros do Francisco Martins Rodrigues na garagem da casa da Maribel, minha vizinha do Outeiro da Vela e colega de Medicina. Éramos os dois e mais dois maoístas que pertenciam ao CCR-ML. Nós só assistíamos a essas coisas, não éramos militantes. Na faculdade, em fevereiro de 1974, partimos uma parede de tijolo que tinha sido lá posta pela PIDE para a gente não poder entrar na sala de alunos. Lembro-me que não pude ir a uma das manifestações nesse mês porque estava todo “entrevadinho” dos jogos de bola. Na verdade, não tinha muito tempo, era vogal da direção do clube, jogava lá à bola.

Nas férias de verão de 1973 fui com a Maribel trabalhar um mês para Alemanha em limpezas, tínhamos o contacto de uma prima dela e precisavam de substituir os imigrantes no verão. Fomos para Frankfurt fazer limpezas de prédios com obras acabadas, limpávamos a piscina do Deutsche Bank das 7h às 16h e a seguir íamos limpar escritórios até às 20h. Depois regressámos da Alemanha à boleia. Uma das pessoas que conhecemos na viagem foi um trotskista suíço que depois nos começou a escrever cartas.

Mas só entro na LCI no dia 9 de julho de 1974, antes não nos convidavam para grandes coisas, nem para colar cartazes porque não éramos militantes. Na LCI contacto com o António Gomes e com o pessoal de Medicina, o Alfredo Frade e muitos outros. A seguir ao 25 de Abril havia o núcleo de Cascais e também o de Carcavelos. Em Cascais eu também escrevia no jornal Pódium, que era um jornal regional de desporto mas que a seguir ao 25 de Abril passou a tratar de outros temas, tinha gente do PRP, do PCP, UDP e por aí fora. Fiz uma reportagens sobre os Serviços Municipalizados de Cascais - onde as condições de trabalho eram um nojo - e aquilo teve algum impacto.

E como foi o teu dia 25 de Abril?

Eu e a Maribel estudávamos para o curso madrugada fora e no dia 25 de Abril tínhamos combinado encontrarmo-nos às 6 da manhã para estudarmos antes de irmos para Lisboa. Quando ouvimos o que se estava a passar foi cada um para seu lado, mas voltámos a encontrar-nos nesse dia em Lisboa. Estive no Largo do Carmo e com mais três pessoas da LCI começámos a manifestação que subiu a Avenida da Liberdade e esteve horas a andar pela cidade. Descemos a Almirante Reis sempre a partir as montras dos bancos. Lembro-me que só a do BES é que tinha daqueles vidros inquebráveis. Aquilo foi juntando gente, incluindo do MRPP, e estes começam a apelar à ida à PIDE. Nós achámos uma imbecilidade, mas muita gente foi e depois houve mortos e feridos.

Nessa altura já te chamavam “Bolche”?

A alcunha de Bolche aparece em outubro de 1974 quando chego a um comício da LCI em Campo de Ourique, de comemoração da Revolução de Outubro, com uma gabardine. E alguém diz: “pareces um bolchevique”. E a alcunha colou.

13 de outubro 1977 - Pavilhão dos Desportos - Festa Jornal da LCI (Luta Proletária)

Em Cascais foste bastante ativo nas lutas dos moradores a seguir ao 25 de Abril.

Já era antes, no clube das Fontaínhas entrei em 1970, depois fui vogal e em 73/74 fui o presidente da direção. Tinha futebol, mas também alfabetização e etc. Na comissão de moradores do Outeiro da Vela tínhamos gente de todo o lado, incluindo a comunidade cigana. Organizávamos ocupações, mas demorámos muito tempo porque tivemos de fazer inquéritos às casas e às pessoas que queríamos meter nas casas. Não podíamos meter uma família de dez pessoas numa casa com duas assoalhadas… Tratávamos da água, que faltava muitas vezes, da limpeza, etc. No verão de 1974 fomos ocupar piscinas para tomar banho. Fazíamos vigílias aos tipos que andavam a encher piscinas à noite. Uma das casas que estava dentro da nossa “jurisdição” era a do Américo Tomás.

8 de fevereiro de 1973. No campo do Dramático de Cascais com o equipamento do Grupo Desportivo Recreativo do Fontaínhas

Houve uma altura em que o COPCON disse que “agora ninguém ocupa mais casas”, mas nós ocupámos depois disso. Ocupámos 20 e tal casas naquele bairro e houve um dia em que os militares vieram tentar desocupar. Houve uma grande discussão, connosco a argumentar que tínhamos feito os inquéritos todos e acabou por lá ficar toda a gente. Ocupámos outra casa, que hoje é o Centro Cultural de Cascais, e que foi a primeira sede do Teatro Experimental de Cascais. Ocupámos a Parada com outra gente, que hoje é o Museu do Mar. Essa ocupação foi a 8 de março e ficámos uns dias lá a dormir. Houve uma cena engraçada quando vi que o tipo que foi lá discutir com os ocupantes era o dono da casa onde eu estava a trabalhar na construção civil na altura. Foi lá que o Zeca estreou ao vivo a canção “Foi Na Cidade do Sado”, escrita na noite anterior. Por isso não pude ir à ocupação da sede da LCI [na Rua da Palma, atual sede do Bloco de Esquerda], que foi ocupada no mesmo dia ou nos dias a seguir. Por causa das ocupações cheguei a ir a tribunal com outro membro da Comissão de Moradores que era do PCP. E em 1975 tive duas tentativas de assassinato. Mas nas ocupações que fizemos ficaram lá as pessoas e hoje ainda servem fins culturais.

E quando é que te tornas ferroviário?
 
Entro em abril de 1976 na CP, por via de um tipo da Comissão de Trabalhadores que também era da minha Comissão de Moradores e que me disse para meter os papéis da candidatura. Rapidamente me torno delegado sindical e membro da sub-CT da Linha de Cascais, só havia a lista do PCP, do PS e a nossa. No ano em que entro, a linha passa da Sociedade Estoril Sol para a CP. Toda a gente me mandava bocas por ter muitos estudos e eu candidatava-me sempre aos concursos de formação. Um dos cursos era dado por um dos tipos que trabalhava para o Veiga Simão no Ministério da Educação antes do 25 de Abril, um dos responsáveis pelos exames. Há uma greve de ferroviários e no dia anterior ele resolve dizer que era um democrata e quis votar ali se havia greve. Eu dizia: Mas eu já votei, houve um plenário no Técnico com sete mil pessoas. E ele insistiu em perguntar um a um e ganhou a greve, até a secretária da administração que lá estava a fazer o curso votou a favor da greve. Quando comecei a trabalhar lá, estava mil escudos acima do salário mínimo, um ano depois estava mil escudos abaixo. Em 1980 metem-me a fazer o exame de revisor, que era mais difícil que os de Medicina do primeiro ano. Imagina que entras na linha de Cascais e queres um bilhete para ires até à Rússia. Há centenas de categorias de bilhetes e tens de fazer as contas!

17 de abril 1980 -  Paço d´Arcos - No Torneio de Futebol de Salão dos Ferroviários (em baixo ao centro).

A primeira vez que houve salários em atraso, fomos - o pessoal da via e das passagens de nível - às oficinas no Cais do Sodré, onde o PCP tinha grande influência. O meu setor tinha 200 pessoas, eu e outro éramos delegados de um quinto da empresa. Às 8 horas não havia dinheiro na conta, então nós vamos às oficinas dizer que íamos ao banco buscar o dinheiro e se eles nos queriam acompanhar. Eles disseram que não, se calhar não tinham ordem para isso... À hora do almoço houve reunião onde estava o sindicato, controlado pelo PCP, e a administração, todos a mandarem vir comigo. E o pessoal que foi comigo a dizer “ele foi o único que fez alguma coisa”. À tarde tínhamos o salário na conta. A LCI tinha muita influência, apesar de sermos poucos. As listas para a CT tinham cinco efetivos e mais dois suplentes, nós apresentámos uma com 17 suplentes. Do partido era só eu, o resto era a base. Ao princípio não queriam aceitar a lista, mas não estava escrito em lado nenhum que havia um número máximo… E fui sempre eleito. Havia dois do PC, dois do PS e eu. Quando saí já havia sindicatos independentes. Na greve geral os comboios não paravam porque já havia sindicato dos maquinistas. Na linha de Cascais o PC não tinha ninguém a parar comboios, mas a linha parou porque em seis pessoas da central elétrica de Paço d’Arcos, quatro eram simpatizantes do PSR.

Mas a experiência de ferroviário não durou muito…

Por causa da hérnia, acabei por ir para a reforma. Fui operado em março de 1981, naquela altura era uma operação de quatro horas. A minha preocupação era acordar da anestesia a tempo de ver o jogo do Benfica [com o Fortuna Dusseldorf nos quartos de final da Taça das Taças] na televisão.

Havia dois tipos que não podiam comigo: o controleiro do PC na linha de Cascais e o meu chefe direto, um dos cinco chefes abaixo da administração. Se o pessoal não o chamava de sr. engenheiro, tava lixado. Houve um dia que lhe disse “tu és o meu chefe aqui, mas eu cheguei ao quarto ano de medicina e tu estás no terceiro ano no Técnico”. Nunca mais me chateou… Fiquei de baixa até 1984, mas fico permanente no PSR no final de 1981. Todos os meses ia entregar a baixa ao tal chefe. Ao fim de três anos era obrigatória uma junta médica para decidir se ia trabalhar ou ia para a reforma. Mas nem tive direito a junta médica, mandaram-me logo para a reforma, não fosse eu arrepender-me e querer continuar na CP...

Fazia parte da Comissão de Juventude do Sindicato dos Ferroviários. Passei pelo Centro “O Trabalho”, que juntava gente de vários partidos, incluindo UDP, MES, PSR, Base FUT. A ideia era juntar essa gente com alguma intervenção sindical fora da órbita do PC dentro da CGTP. Reuníamos numa sede em Campo de Ourique. Mas aí eu já estava de baixa da CP.

Em 1981 fui à Polónia ao primeiro congresso do Solidariedade, em representação do nosso grupo de solidariedade com o Solidariedade, com gente do PSR e de outras áreas, que fazia uma revista. No verão de 1981 tinha estado no País Basco com o Pinho, a Maria José e a Dulce, e combinámos estar à porta do Congresso. Não sabíamos onde aquilo era nem como íamos conseguir chegar lá. Então combinámos às 8 da manhã à porta do sítio onde fosse o Congresso. E encontrámo-nos lá à hora marcada!

6 de setembro de 1981. À porta do Congresso do Solidarnosc (Solidariedade) em Gdansk, Polónia
"A televisão mente", diz a pintura junto ao carro da tv polaca.

Aquilo teve duas partes e eu voltei lá para a segunda parte, umas semanas depois. Em três semanas andei 12 dias de comboio! Esta foto (à direita) mostra uma pichagem no chão do Congresso a dizer “A televisão mente”. Mas na segunda parte, como tinha escrito lá um artigo de opinião que saíu no semanário “O Jornal”, já podia andar lá a circular à vontade e ter acesso a coisas que os convidados tinham de pagar, por exemplo os auriculares para tradução simultânea custavam 40 dólares. Aqui na televisão diziam que todos os dias os delegados estavam na missa. Eu fui lá à tal missa uns dias e estavam 50 pessoas, quando no congresso estavam milhares.

18 de outubro de 2010. Intervenção na condecoração do 30º aniversário do Congresso do Solidariedade, realizada na embaixada da Polónia em Lisboa.

Escrevi vários artigos para o jornal “A Luta” sobre o Congresso. O último discurso foi do tipo que acabou por me condecorar 30 anos depois aqui na embaixada da Polónia, com todos os gajos que passaram pelos governos do PS e PSD, mais os bispos e etc. E tive a “sorte” que o sindicalista que me entrega a condecoração era o líder da ala esquerda que ganhou esse congresso. O Walesa foi eleito presidente mas foi a ala esquerda que ganhou o congresso.

Nesses anos tens uma ligação forte aos grupos da esquerda no Estado espanhol que ainda manténs. Como é que isso surgiu?

No início de 1975 estive um mês a trabalhar na tipografia da LCI, tive de arranjar uma casa para três suecos e três espanhóis que vinham montar as máquinas de impressão. Um destes era um basco, o Eduardo Matauco, que ficou conhecido por ter sido preso com a companheira - ela mais tarde foi diretora do Festival de Cinema de San Sebastian dois anos - e na fuga o polícia disparou contra outro polícia, a história saiu na imprensa em todo o lado. Arrendámos uma moradia enorme com quatro pisos em Cascais, ao pé do Outeiro da Vela. Depois de eles começarem a ir embora muita gente foi entrando para lá viver. A senhoria vivia numas casas ao lado e muitas vezes nas campanhas a gente saía à meia noite com umas cestas de merendas que tinham lá dentro os materiais para pintar murais.

16 de agosto de 1986 - Festas de Ondarroa. (Ao fundo dentro da tenda) com Joxe Iriarte “Bikila”, Maite e Yon.

Num desses verões fui à Alemanha ver se dava com o sítio onde estive a trabalhar nas limpezas em 1973. Um dos suecos já me tinha dado o contacto da mãe do Eduardo. No fim dos anos 1970 vou às festas de Ondarroa e é lá que conheço o Txema e o pessoal da Quarta Internacional, trabalhámos nas “txosnas” e a partir daí passo a ir sempre ter com essa gente e a reuniões, também a Madrid ou Barcelona.

Com Miguel Romero “Moro” em agosto de 1982 num encontro de dirigentes das secções da 4ª Internacional em Bruguieres/Toulouse.

Éramos convidados para assistir às reuniões dos CC da Liga Comunista Revolucionária em Madrid e participei na escola de formação da Quarta em Amesterdão em 1985, de março a junho. Nos anos anteriores estive nas escolas de formação da Quarta Internacional ao pé de Toulouse, que juntava os quadros da Europa. Isso permitiu criar uma grande rede de contactos, que também passavam por cá, tínhamos a casa grande para os alojar. Além disso, participo no primeiro acampamento de jovens da Quarta Internacional em 1984. Foram onze pessoas daqui, ia o Jaime Pinho, o Jorge Silva… fomos até San Sebastian e apanhámos ali a camionete com eles para a Alemanha. Nos anos seguintes chegámos a ir à boleia para esses acampamentos.

Esse trabalho de juventude centra-se depois nas campanhas antimilitaristas. Como é que isso começou?

O trabalho antimilitarista começa com os concertos e o bar das Palmeiras. Alugámos a sala de rés do chão da sede para servir de restaurante gerido por um indiano. E a partir daí, a Eduarda e o Brasas geriam o bar à noite de sexta e sábado. Depois passou a ser “oficial”, com um grupo de quatro pessoas - eu, o Zé da Messa, o João Carlos e o Maçariku. Éramos o único sítio aberto na noite de Natal, que foi ideia da Xana dos Rádio Macau.

8 de julho 1985 - Campanha Eleitoral do PSR - Ação Antimilitarista frente â Exposição militar (Dia da Marinha)
Abril de 1990 - S. João da Madeira, jantar antes de uma iniciativa do Sindicato do Calçado de Aveiro e Coimbra, com Manuel Graça (ao centro na mesa da frente) e a banda ”Os Clandestinos" com José Falcão na mesa de trás.

Depois começaram a aparecer bandas a pedir para lá tocarem. Nós não tínhamos aparelhagem, as bandas traziam. Organizávamos um jantar para nós e o pessoal da banda, depois íamos tomar café e a seguir abríamos a porta para o concerto. O palco era um estrado por cima de uns tijolos ou umas tábuas. A senha de entrada dava para uma cerveja, metade da receita era para a banda. Estavam lá 100, 200 pessoas a assistir.   Depois fizemos um grande concerto antimilitarista de um fim de semana no Rock Rendez Vous com bandas que tocaram lá. Sitiados, Censurados, Clandestinos, Essa Entente, Lucifer Fere, Ku de Judas, por aí fora. Os Xutos nunca tocaram no Bar das Palmeiras, mas vinham aos concertos. O Zé Pedro de vez em quando pegava na guitarra e tocava. A época começava sempre no princípio de setembro e acabava em julho, antes do acampamento de jovens. Vinham dezenas de bandas, tenho uma agenda inteira com isso. Fizemos concertos antimilitaristas no Tramagal, São João da Madeira. Editámos os guias antimilitaristas, fizemos debates nas escolas e outras atividades onde participavam o João Carlos, o Miguel Clara Vasconcelos, o Henrique Silvestre…

Outubro de 1997, homenagem a José Carvalho no Ritz Club.

Tinhas uma relação muito próxima com o Zé da Messa…

Eu e o Zé da Messa não só vivemos juntos como fazíamos férias juntos. A nossa casa nas Mercês era ao pé da Messa e tinha sete pessoas a pagar renda, ele começou a frequentar a casa e fazia questão de ficar no sótão, que era grande. A sala era enorme, cabiam lá 40 pessoas. Nessa altura não íamos ao Bairro Alto, fazíamos grandes festas lá em casa…

E é após o assassinato do Zé da Messa que reorientas a intervenção política para o antirracismo.

A seguir ao assassinato, decidimos dar início ao trabalho antirracista, a partir de uma ideia do Francisco Louçã. Reunimos com a JCP, JS, muita gente, para discutir o que fazer, até que chegámos ao nome do SOS Racismo, que aparece em 1990 com uma semana de atividades. Começou com um debate no Sindicato dos Jornalistas e acabou com um grande concerto no Pavilhão dos Desportos. Reuníamos no Moinho da Juventude, na Associação de Cabo Verde e noutros lados. Depois passamos para a Casa da Paz, depois para a sede do SNESup na Av. Guerra Junqueiro e mais tarde para a Rua de São José. Havia gente do PCP a participar no princípio, mas nem sempre vinham às reuniões, abriam-nos a porta na Casa da Paz. O SOS funcionava com um plenário todos os meses e reuniões semanais na Casa da Paz.

E a páginas tantas surge um conflito interno…

Em 1992 lançamos o Guia Anti-Racista, as fichas didáticas e começamos a ir às escolas. E eles começam a perceber que aquilo estava a ganhar importância. O Manuel Gouveia, da JCP, chegou a fazer um esboço de estatutos, mas foi adiando o momento da legalização. Demos-lhe uma data final para irmos ao cartório, mas ele voltou a não aparecer. Com a associação legalizada tínhamos de ter uma direção eleita e aí eles começam a aparecer mais nos plenários e a querer meter mais gente na direção. Quando a lista já está feita, no último plenário tornam a querer pôr mais gente na lista e aí vemos que um dos artigos dos estatutos dizia que a primeira eleição só podia ser feita por quem estivesse inscrito no SOS, e eles só tinham dois inscritos. A partir daí nunca mais apareceram e criaram outra organização que era a Frente Anti-Racista. Nesse processo teve grande importância o António Loja Neves, que ajudou a malta independente a perceber que ao contrário do que dizia a malta do PC, aquilo não era nenhuma manobra da malta do PSR.

Em Pamplona com João Antunes e Manuela Oliveira.

Como foram esses primeiros anos do SOS Racismo?

No primeiro ano começamos a contactar Câmaras Municipais e escolas. Em 1992 e 1993 são feitas as primeiras fichas didáticas, coordenadas pelo João Antunes e a Manuela Oliveira. Essas fichas permitiam aos professores não fugirem ao currículo mas trabalhando o tema do racismo a partir dos próprios currículos. E saiu o primeiro guia Anti-Racista que vendeu 8 mil exemplares (tirando o que ficou na Casa da Paz…). Hoje já não há fichas didáticas, mas há o livro dos jogos interculturais e cooperativos, continuamos a fazer muitos debates nas escolas e também em faculdades. Entretanto criaram-se outros núcleos, como o do Porto que há oito anos organiza a mostra de cinema MICAR.

26 de maio 2008 - Debate na Escola Secundária de Alcácer do Sal.

Na altura a associação não tinha porta-vozes racializados como tem hoje…

Sempre fizemos o trabalho para que acontecesse o que está a acontecer agora. Por isso temos hoje várias pessoas que podem ir aos debates. Em 2000 passámos a ter a escola anual de formação com essa preocupação. Todo o material que fazemos, até as agendas, têm muita gente a trabalhar e a escrever, incluindo de fora do SOS e permitem continuar a nossa formação. O filme dos 30 anos é uma prova disso, são todos os “críticos” desta ou daquela prática do SOS que estão naquele filme. A Rede Anti-Racista, que aparece em 1999, surge das lutas do movimento de imigrantes dos anos 1990 e é um conjunto de associações de uma ponta à outra do país. A partir dessa altura, também com o maior grau de consciencialização das pessoas racializadas, e também com o rap e por aí fora, começa a aparecer uma nova vaga de ativistas nos anos 2000. Sempre continuámos a fazer força para que surgissem. O mesmo para a comunidade cigana: levámos muita gente às escolas de formação que passaram a ser ativistas nos últimos 10 anos. E começaram a fazer as suas próprias formações, como a academia política que organizam. Sempre chateámos a imprensa para falarem com eles, mas muitas vezes as notícias não saíram porque só queriam falar com alguém do SOS. Se houve coisa que conseguimos foi pôr toda esta gente a falar, a pensar, discutir e a fazer coisas. Se me perguntam o que fizemos de importante, eu respondo: hoje são as próprias pessoas a falar. Esse nível de consciência obviamente não tem a ver só com o SOS, mas do trabalho das próprias pessoas e das associações que foram criando e crescendo.

Esses anos foram marcados por outros crimes racistas que abalaram a sociedade.

Há um crescimento da atividade da extrema-direita até 1989, quando o Zé da Messa é assassinado. Uns anos depois o julgamento condena aquela gente toda. Mas quando pusemos um processo contra o Movimento de Ação Nacional (MAN) o Tribunal Constitucional não ilegaliza porque já não existia, mas também não condena as pessoas que andaram por lá. Nesse próprio dia, em 1994, dois ativistas são agredidos em Vila do Conde num ataque a um bar onde se juntava malta de esquerda. Em 1995 matam o Alcindo Monteiro. Depois são presos e desaparecem do mapa. Quando surge a manobra do PNR para comprar o PRD, o Tribunal Constitucional aceita. Agora na legalização do Chega com falsificações de assinaturas e outras falcatruas, volta a aceitar. Se fosse qualquer outro partido não tinha sido legalizado. Se há gente responsável pelo crescimento da extrema-direita em Portugal é o Tribunal Constitucional. O Teixeira da Mota diz que o Tribunal Constitucional não teve coragem. Eu digo que o TC tem as mãos sujas de sangue no assassinato do Alcindo Monteiro por não ter cumprido as suas obrigações. Ao não julgar o MAN com base em todos os casos documentados de violência que reunimos desde os anos 1980. A legalização destes partidos tem o beneplácito do TC. Não há mais nenhum partido que se tenha legalizado com estas manobras. Eles devem ter lá na prateleira mais alguns partidos que estão à espera de serem comprados, isto é ridículo!

Pouco depois do assassinato do Alcindo tu és vítima de um espancamento policial dentro da esquadra no Bairro Alto.

O Alcindo Monteiro é assassinado em junho. Durante hora e meia ou duas horas, nenhum polícia aparece no Bairro Alto. Havia seis ou sete esquadras à volta daquela zona que em cinco minutos se punham ali e não apareceram. Quando em outubro há três pessoas negras que foram agredidas no Bairro Alto por supostamente não pagarem uma conta - o que se viu que era falso - aparecem dezenas de polícias e carros, parecia a Balada de Hill Street. Um dos agredidos também tinha sido agredido naquela noite do Alcindo no “arrastão” dos skinheads no Bairro Alto. Por acaso, eu estava a passar por lá e assisto àquele aglomerado de pessoas. Meteram os três no carro, dois trabalhavam ali mesmo no bairro e outro era ator e ativista da associação Olho Vivo. Eu comecei a bater palmas a ”agradecer a brilhante atuação” da polícia, tendo em conta que três meses antes foram uns cobardes que não apareceram quando houve 60 ou 70 skins a espalhar o terror. A seguir fui à esquadra e ouvia-se cá fora eles a levarem pancada. Dois saíram diretamente para o hospital. Já estava muita gente à porta, incluindo a sogra de um dos agredidos. Aí os polícias meteram-me lá dentro e passei eu a ser agredido com o Meirinho, que lá tinha ficado. Ele teve uma sorte incrível por não ter morrido ali dentro. Eu estou no guichet a dizer que quero fazer queixa e estou a ser agredido com murros ao mesmo tempo. Dez anos depois estes policias foram condenados simbolicamente. Não tenho a certeza, mas que me lembre essa foi a primeira vez que polícias foram condenados por agressões em esquadras em Portugal. Mas continuaram a trabalhar e um ano depois o principal tipo que nos espancou continuava a agredir pessoas.

Enquanto ativista associativo e militante partidário, como é que geres as tensões que por vezes existem?

Ao contrário da hipocrisia das pessoas que dizem “eu vou para a minha associação e aqui não sou de mais nada”, achamos que isso não faz sentido. No SOS toda a gente se tinha partido, tinha. E se não tinha, não fazia mal nenhum. E continua a ser assim hoje. Fomos acusados de sermos influenciados pelo Bloco, mas o Bloco apareceu 10 anos depois do SOS, se alguém anda a ser influenciado deve ser o Bloco. Já apresentámos diversas propostas que o Bloco pega ou não, mas também o PS ou o PCP o fazem.
 
Queremos que as pessoas percebam o que andam aqui a fazer. Não tiramos camisolas, mas também não obrigamos a que sejam vestidas por esta ou por aquela pessoa. E muito menos que os partidos nos ponham camisolas para nós vestirmos. Eu já fazia parte de um partido muito antes de haver movimento antirracista. Estou muito à vontade para dizer que até agora me sinto bem na pele das duas coisas. Se em muitos outros sítios não é assim, é justamente por isso que preservamos a nossa independência e promovemos a diversidade nos porta-vozes.

A partir de 1995 apareceram as campanhas institucionais contra o racismo, como o “Todos Diferentes Todos Iguais”. Como é a vossa relação com as instituições?

Durante muito tempo andámos a apelar a toda a gente, cada vez que fazíamos propostas ou tomadas de posição sobre esta ou aquela lei, pedimos aos vários partidos para dizerem quais as medidas que propõem antes das eleições, uns respondem e outros não. Fomos fazendo o mesmo com as Câmaras. Cada publicação ou atividade fundamental que o SOS faz, mandamos cartas para as Câmaras a saber se querem adquirir ou participar de alguma forma nas iniciativas. Sempre tentámos influenciar todos os organismos institucionais e os partidos, os governos, sindicatos e centrais sindicais fazem parte disso. Isto depois dá os seus frutos, já não é só o ACM ou a CIG a fazerem este tipo de formações.

Setembro de 2001 - No Bairro das Fontaínhas, às Portas de Benfica com dirigentes da ENAR (Rede Europeia contra o Racismo) e ativistas do SOS Racismo.

Outras instituições públicas têm contribuído, desde o tempo das fichas didáticas para tratar destes temas nos currículos escolares que continuam a ser discriminatórios. Esquecem que o nosso passado não é aquilo que é ali contado, mas o que não é contado e que queremos que apareça. Esta invisibilidade das lutas, quer-se esconder o que andámos a fazer porque temos vergonha disso. E pelo contrário, vangloriamo-nos como se fosse um grande feito andarmos a tirar 6 milhões de pessoas de um continente para os escravizar noutro.

Isso é um debate que hoje está vivo, mas que há 30 anos ninguém fazia…

Há 30 anos era impensável alguém estar a mandar vir connosco por estarmos a falar de negritude e branquitude. “Não havia racismo”, diziam, ninguém falava disso. Racismo estrutural e institucional: é o SOS que põe essas palavras cá fora há 30 anos. Este discurso significa que as vítimas da discriminação racial, sexual, homofóbica, etc, começaram a pôr a cara cá fora. Muitas vezes somos chamados pela imprensa a tomar posição sobre isto ou aquilo e eu digo “olha, sobre isto deve ser aquela pessoa a falar”, uma pessoa da comunidade afetada. Mas depois a notícia não sai porque querem que seja eu ou uma pessoa do SOS… Eles não diziam isso, mas não estavam para dar voz a uma pessoa que sabe bastante mais do que o que eu possa dizer, porque o sente na pele e eu não sinto.

Uma das iniciativas que juntou movimentos de vários setores foi a Festa da Diversidade. Como é que nasceu a ideia?

A Festa da Diversidade não foi ideia nossa. Os camaradas da Catalunha faziam a Festa da Diversidade até 2003 e nós éramos convidados desde 1996, arranjavam-nos um stand e íamos lá com os nossos materiais. Quando surge a ideia de fazermos a Rede Anti-Racista com outras associações, decidimos fazer a festa. A Rede aparece em março de 1999 e a primeira festa é no armazém da Abel Pereira da Fonseca quatro meses depois. Depois passamos para o Liceu Camões e a seguir para o Martim Moniz. A ideia era juntar todas as associações num espaço que lhes desse visibilidade. Não eram só associações ligadas a imigrantes, mas de diferentes questões, desde a Associação José Afonso a associações ciganas, ao Le Monde Diplomatique, etc. A Festa só passou para a rua em 2003, no âmbito do Fórum Social Português. Mas isso deu bastante luta, só nós e a Pé de Xumbo é que nos esforçámos para que as pessoas percebessem que a parte cultural tinha de fazer parte do Fórum Social. Era uma “oferta” nossa, da Rede Anti-Racista, mas a aprovação foi muito difícil. Afinal viu-se que a participação à volta da festa deu mais visibilidade ao Fórum Social.

7 de junho 2015 - 8ª Festa da Diversidade (no Arco do Cego) com o Homem Estátua, a sua companheira e um filho (este em cartão).

Em 2004 e 2005 não houve festa. No primeiro ano, durante o mandato de Santana Lopes, a EGEAC não nos enviava o parecer que era necessário. Descobriu-se que tinham uma carta do comandante da Polícia Municipal a dizer que ali não podia ser, porque aquela zona era frequentada por pessoas de tez negra, com costumes diferentes dos nossos e mais uma série de alarvidades. A nossa denúncia dessa carta deu um grande alarido na imprensa, a TSF ouviu o tal comandante da Polícia Municipal, que disse coisas ainda piores do que o que estava escrito. Nós pedimos a demissão dele e o Santana Lopes acabou por demiti-lo, mas aí já não tínhamos tempo para organizar a festa. Em 2005 também não houve porque a extrema-direita tinha marcado uma manifestação para esse dia no Martim Moniz, logo a seguir ao famoso “arrastão” que nunca existiu na praia de Carcavelos. Criticámos bastante o ministro da Administração Interna da altura, que era o António Costa, e em 2006 ele teve mais cuidado e voltámos ao Martim Moniz. Em 2007 houve a grande festa no Terreiro do Paço, com 20 mil pessoas a passarem por lá. Tal como fizemos em 2003 com o Fórum Social Português, propusemos que a Festa ficasse integrada no Ano Europeu contra o Racismo, que coincidiu com a presidência portuguesa da UE. Depois houve oito anos sem festa, também porque o movimento associativo enfraqueceu após uma série de vitórias que permitiram melhorar a vida dos imigrantes em Portugal.

É em 2015 que conseguimos reanimar a festa na rua, com o apoio do vereador João Afonso, que a integra nas Festas da Cidade e é ele que depois sugere o local da Ribeira das Naus. Em 2017 é substituído no pelouro pelo Ricardo Robles e aí aumentamos o alcance ao passarmos a fazer debates nas associações da periferia da cidade antes da festa. Na Ribeira das Naus não tínhamos condições logísticas para fazer esses debates. Como fazíamos parte da coordenadora da Marcha do Orgulho LGBT, propusemos que em vez dela acabar no Terreiro do Paço em cima de uma carrinha de caixa aberta, passasse a acabar no palco da Ribeira das Naus e depois continuava o programa da festa. Esse foi um dos momentos que representa melhor a interseccionalidade das lutas.

Outro espaço em que se cruzam lutas diferentes a nível internacional foram os fóruns sociais. Que balanço fazes da tua participação nesses espaços?

Estivemos no Fórum Social Europeu em 2003 em Paris. Em 2005 fui ao 5º Fórum Social Mundial em Porto Alegre. Volto em 2009 na edição em Belém, depois em 2011 em Dacar e em 2013 em Tunes. A dinâmica de Belém, com o peso do movimento índio, foi muito importante. O de Porto Alegre tinha muito mais gente, mas já estava a ter menos dinâmica de participação. Nos seguintes a participação baixou devido à dificuldade em ir a esses sítios, mas teve um peso muito grande no desenvolvimento do movimento associativo e em reanimar a importância destes fóruns. Por exemplo, em 2011 é em Dacar que é votada a Carta Mundial de Migrantes. Quando em 2014 é aprovada a carta de Lampedusa, essa mobilização “apanha a boleia” daquela dinâmica. Dacar acontece mais ou menos na altura do início das primaveras árabes. Tal como o de Belém, os fóruns que foram para a África e para a Ásia fizeram desses fóruns uma iniciativa realmente global.

10 de fevereiro 2011 - Com o Presidente do Sindicato dos Vendedores Ambulantes durante o Fórum Social Mundial de Dakar.

O SOS comemorou os 30 anos com a edição do “Dicionário da Invisibilidade”, que é talvez a maior compilação de histórias de protagonistas das lutas sociais. Como é que foi montar este projeto com contributos de 170 pessoas dos cinco continentes?

Foi um grande desafio. Por um lado a pandemia ajudou bastante, porque muita gente ficou com disponibilidade que antes não tinha.  Aproveitámos o facto de o Txema estar há quase 20 anos a preparar um dicionário da cultura africana que já vai em 55 mil entradas… Com esse trabalho e os contactos internacionais que fomos criando em vários continentes, foi uma questão de lhes pedir os textos e irmos discutindo as escolhas. No caso da Oceânia, falámos logo no início com um contacto da Ana Sofia Palma que trabalhava com as comunidades aborígenes e ficaram muito entusiasmados. Mas depois deixou de responder e até ficámos preocupados porque entretanto aconteceram várias catástrofes na Austrália. É só quando o dicionário já está em fase de paginação que o tipo nos manda 113 entradas escritas por 22 chefes aborígenes. Tivemos de retomar a rede de tradutores e revisores outra vez para tratar daquilo…

Entretanto entrou muita gente no SOS na altura das manifestações do George Floyd e dos ataques da extrema-direita à sede do SOS, e é aí que aparece o André Carrilho, que também tinha recebido ameaças e se oferece para trabalhar connosco. Pedimos-lhe para fazer a capa e mandamos o material que já estava bastante avançado. Ele entusiasmou-se tanto que fez 20 ilustrações magníficas para o Dicionário! Hoje estão a circular pelo país numa exposição que começou em abril na Casa de Cultura em Setúbal.

 

Em 1998 começa o processo que no ano seguinte deu origem à criação do Bloco de Esquerda. Tendo em conta as experiências falhadas do passado, tinhas algum receio de que aquilo pudesse não funcionar?

Não tinha grandes medos, porque a minha atividade quotidiana era a de juntar gente diferente, associações diferentes. Sempre estive nos movimentos sociais e estou lá com as minhas posições mas a trabalhar em conjunto com as outras pessoas, a tentar convencê-las ou a ser convencido por elas. No Bloco sempre pude exprimir as minhas críticas quanto à necessidade de mais discussão. Por exemplo, houve em 2012 uma conferência em que houve um dia para discutir o racismo. Era isso que se tinha de fazer mais. O debate já evoluiu bastante mais, o nível de consciência das pessoas racializadas evoluiu mais ainda.

Isso nota-se na atividade do SOS Racismo?

Hoje temos ativistas antirracistas e contra a ciganofobia espetaculares e com um nível de consciência incrível, ajudados por um debate que é internacional mas que aconteceu por cá nos últimos anos. Vemos inúmeras ativistas ciganas, aquelas que são acusadas de não quererem ir à escola. A atual direção do SOS tem três ativistas da comunidade cigana em treze pessoas. Toda essa gente tem tido uma evolução que nos obriga a crescer bastante e isso tem sido muito importante para a participação. O SOS ajudou bastante a isso acontecer, mas as pessoas racializadas ajudaram bastante a que o SOS pudesse fazer isso. Se há coisa que podemos dizer é que as pessoas estão a falar por si. O mesmo aconteceu ao movimento LGBT ou das pessoas com deficiência que têm hoje um nível de discussão mais elevados e intérpretes mais preparados, independentemente de estarmos de acordo com esta ou aquela posição. A classe maioritária ficou assustada com esta erupção de ativistas por todo o lado nos últimos anos. Isto aconteceu por influência dos que perceberam que tinham de começar a dar a cara e dos que querem que aquelas pessoas possam dar a cara em algum sítio. Podemos questionar se os partidos não deviam ter mais gente que pode dar a cara nestes debates. O trabalho tem de ser esse, inclusive no Bloco. É preciso que as pessoas que estão na luta se sintam bem em estar aqui a trabalhar e a influenciar as posições que se vão tendo.

Foi já no Bloco que acrescentaste outro capítulo à tua militância política, agora no trabalho autárquico…

Sim, embora em 1976 tenha sido candidato em Cascais pela LCI, tive 200 votos! Mas a minha intervenção política não tinha trabalho autárquico, isso só aparece com o Bloco. O PSR fez listas em 1993 e 1997, mas não elegia quase ninguém. Com o Bloco fui para o núcleo de Odivelas e fui eleito deputado municipal.

E que balanço fazes dessa experiência?

Acho que se tinha de mudar a lei autárquica para o trabalho das Assembleias ter algum sentido. O peso da Assembleia é quase irrelevante, porque quem manda não é a Assembleia Municipal nem as Assembleias de Freguesia. É importante estar lá porque podemos fazer a diferença, até num gesto de tomada de posse [na foto em baixo]. Em Odivelas conseguimos que as reuniões passassem a ter mesas para os deputados porque comecei a levar uma das bancas para dentro da Assembleia. Até para o funcionamento mínimo das estruturas democráticas que este país tem tivemos de lutar…

Notícia no JN sobre a tomada de posse da Assembleia Municipal de Odivelas, realizada a 31 de outubro 2005.

Pessoalmente, sempre defendi um modelo mais em linha do que existe em França, com mais câmaras e mais pequenas e sem freguesias. Onde é que existem Assembleias Municipais a não ser cá? Para os partidos institucionais é um sítio onde podem pôr gente entretida a fazer quase nada. Por vezes é importante porque conseguirmos melhorias, por exemplo ainda há pouco tempo para impedir a privatização da água em Odivelas. Mas ainda não conseguimos implantação suficiente a nível local. Eu pergunto se será a partir da Assembleia que essa implantação acontece ou é estando nas lutas locais que conseguimos estar e influenciar na Assembleia? É isso que temos de pensar, e a mesma coisa para o trabalho sindical. Temos de estar nas fábricas e nas empresas e a ganhar lutas, porque é a ganhar lutas que se pode influenciar.

A vender o jornal "Combate Operário" no 1º de Maio de 1979.

Quem se cruza contigo em inúmeras atividades, já sabe que tem de puxar da carteira para comprar algum livro, boletim, agenda ou um bilhete para um jantar ou concerto. De onde vem essa faceta de vendedor?

Desde cedo, aos sete anos já vendia papel e ferro velho todos os meses em Lagos. Depois comecei a vender “quadros célebres” ou livros no Centro de Livro Brasileiro porta a porta. No caso dos materiais políticos, fi-lo sempre e nunca foi para eu comer. Foi porque fazia parte deste ou daquele grupo, associação, partido, para poder criar a possibilidade de nós termos condições. Este microfone que está aqui à minha frente custou dinheiro. Como? Porque conseguimos angariar fundos para isso. Agora com a pandemia, sem haver gente na rua e tendo em conta que o SOS não tem subsídios, a malta que trabalha com o SOS a fazer os materiais, a ir às Festas da Diversidade, a fazer filmes, etc, para tudo isso é preciso dinheiro. Como não nos dão a nós porque somos críticos e porque neste país funciona a chantagem sobre as associações - cala-te ou não levas dinheiro, e isto acontece a todos os níveis -, temos de arranjar maneira de o fazer. Como temos materiais muito bons e nos preocupamos com esses materiais, é fácil não ter “vergonha na cara” para passar a vida a vender. E as pessoas sabem que não é para eu comprar um Porsche, até porque não conduzo… Quando vamos às escolas, não pedimos dinheiro para lá ir. Para fazer aquilo que temos de fazer, só é possível se tivermos dinheiro.

A vender o Guia Anti-Racista em Lisboa, na manifestação do 25 de Abril em 1994.

E recordações de alguma venda mais “especial”?

Teria muitas recordações, nem sequer falo daquelas em que vendi coisas ao Mário Soares, ao Jorge Sampaio, etc, mas mais aquelas que vendi a pessoas que não gostaram nada de comprar, mas que se viram “coagidas” a comprar. Por exemplo, o Manuel Monteiro, com quem me cruzei num debate e ficou furioso quando questionei as suas posições. Eu vendo porque acho que as pessoas devem ler, mas sei que com algumas se calhar não valia a pena. Mas pelo menos ficou com aquilo e pode ser que olhe para lá e perceba que o que o SOS faz não é aquilo que ele diz, sem nunca ter lido uma publicação. Se não quiser fazer figura de ignorante, como fazem muitos responsáveis políticos, que comece a ler estas publicações.