Serralves: Recondução de Ana Pinho contraria Agenda do Trabalho Digno, acusam educadores

24 de novembro 2021 - 15:55

O primeiro-ministro terá pessoalmente intervindo para alterar os estatutos da Fundação de forma a permitir que Ana Pinho seja reconduzida num terceiro mandato à frente da Fundação. A ACT concluiu que os educadores tinham direito a contrato de trabalho mas a administradora recusou. Artigo de Tiago Ivo Cruz.

PARTILHAR
Reinauguração da Casa Serralves com Rui Moreira, Graça Fonseca, Ana Pinho, António Costa e Rui Vilar. Foto de José Coelho, Lusa.
Reinauguração da Casa Serralves com Rui Moreira, Graça Fonseca, Ana Pinho, António Costa e Rui Vilar. Foto de José Coelho, Lusa.

A carreira de Ana Pinho Macedo Silva acompanha o percurso de António Costa desde que é primeiro-ministro, bem como o percurso de Rui Moreira. O XXI Governo Constitucional assume funções em novembro de 2015 e, em dezembro, Ana Pinho é nomeada presidente da Fundação de Serralves para um mandato de três anos. Segundo o comunicado de então, a gestora esteve “desde sempre ligada ao fenómeno cultural e às artes (...) além de ter frequentado um curso de Arte Moderna e Contemporânea na Fundação de Serralves, teve ligações à Sociedade Nacional de Belas Artes, à Christie's Education e ao Sotheby's Institute".

Em 2017, o primeiro-ministro coloca-a simultaneamente na equipa de gestão da TAP devido à sua “extensa experiência na liderança de organizações”, disse então Pedro Marques (à altura Ministro das Infraestruturas), integrando a equipa de Miguel Frasquilho e Diogo Lacerda Machado, homem de confiança do primeiro-ministro que negociou a participação do Estado de 50% na TAP em 2016. Com o aumento da participação do Estado para 72,5% em 2020, aumentam também as obrigações dos seus gestores públicos, cujo estatuto limita a acumulação de funções e participações noutras empresas. Terá sido por esta razão que Ana Pinho renuncia ao mandato de administração da TAP em 2020. Entretanto, Ana Pinho foi reconduzida na presidência de Serralves em 2018.  

Agora, e segundo o jornal Público, será intenção do primeiro-ministro alterar o decreto-lei em vigor para permitir que os presidentes dos Conselhos de Administração possam exercer três mandatos nessas funções. Uma alteração feita à medida de Ana Pinho mas que Rui Vilar, presidente do conselho de fundadores de Serralves, justifica com o objetivo de “harmonizar o limite de mandatos dos administradores e do presidente da administração” (os primeiros podem cumprir três mandatos e os segundos apenas dois, até agora).

Pelo meio, Ana Pinho integrou a direção de Rui Moreira da Associação Comercial do Porto e é ainda hoje gestora da imobiliária Anapin. É esta dupla ligação, a Rui Moreira e a António Costa, que define a sua resiliência à frente de Serralves.

Ana Pinho tem correspondido ao primeiro-ministro, com Serralves a funcionar como meio para resolver alguns problemas institucionais, seja com a receção da coleção de obras de Joan Miró em 2016, seja agora com a absorção do Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia (MAAT) por Serralves, após o anúncio de que esta seria abandonada pela Fundação EDP. A Fundação de Serralves recebe 4,6 milhões de euros anualmente do Orçamento do Estado, a que se acrescentam outros apoios públicos através de fundos europeus.

Por entre este jogo de cadeiras, a guerra declarada por Ana Pinho aos trabalhadores da fundação e a sua recusa em implementar as diretrizes da Autoridade para as Condições do Trabalho, colocando os trabalhadores em tribunal a expensas do orçamento da Fundação, parece não merecer qualquer consideração do primeiro-ministro. Pelo contrário, tanto António Costa como a ministra da Cultura, Graça Fonseca, ignoraram ostensivamente os problemas laborais em Serralves desde o início da crise pandémica, com o primeiro-ministro a interromper inclusivamente uma reunião do Conselho de Ministros para assistir à reinauguração da Casa de Serralves em julho deste ano e, em agosto, a discursar na inauguração da exposição “Joan Miró: Signos e Figuração”.

Em comunicado, os Educadores de Serralves relembram ao primeiro-ministro a carta enviada por ocasião da sua ida a Serralves, uma carta a que não receberam qualquer resposta ou mereceu qualquer comentário público de António Costa. O Governo “vai continuar a financiar instituições sem exigir o cumprimento das leis laborais?”, questionavam na carta. 

“Não podemos deixar de sublinhar a gravidade desta posição por parte do Governo, contrariando o que defende publicamente na Agenda do Trabalho Digno e no Estatuto dos Profissionais da Área da Cultura relativamente ao combate à precariedade”, escrevem agora os Educadores.

Em Tribunal, a inspetora da ACT explicou que estes trabalhadores estavam sujeitos a um “documento orientador”, onde consultavam, por exemplo, a “grelha de atividades diárias, faltas com justa causa, duração das visitas e reuniões de planeamento”, o que confirma o seu vínculo como trabalhadores por conta de outrem e não como trabalhadores independentes.