Conquista do Sindicato dos Químicos no tempo do fascismo

05 de maio 2013 - 16:20

Antes do 25 de Abril durante a chamada “Primavera marcelista”, várias direções sindicais afetas ao regime fascista, que controlava ferreamente os sindicatos, foram derrubadas por listas vinculadas à luta dos trabalhadores e à oposição democrática. Um dos casos foi o do sindicato dos Químicos. Carlos Guinote, um dos protagonistas desse processo, dá o seu testemunho ao esquerda.net.

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Reprodução de boletim de 1971 do Sindicato dos trabalhadores da indústria química de Lisboa - Documento original encontra-se no Centro de Documentação 25 de Abril

Esquerda.net: Quando e como foi derrubada a direção fascista do sindicato dos Químicos?

Carlos Guinote: Em Dezembro de 1970 pensei organizar uma lista para correr com a direção fascista do sindicato. Essas eleições efetuaram-se a 24 de Fevereiro de 71. Para isso fiz várias abordagens na Petroquímica e, através de colegas de escola, trabalhadores estudantes, trabalhando noutras empresas e já com uma pequena equipa, fomos chegando à Dyrup, Robbialac, Sacor(agora Galp), Lever, Soda Póvoa e empresas da linha de Sintra. De notar o entusiasmo com que os convites foram aceites e, por conseguinte não houve dificuldades na formação das listas. Havia de facto uma grande vontade de mudança e, se quisermos, de libertação, paralelamente ao desejo de melhoria das condições de vida.

Esquerda.net: Como se constituiu a nova direção e qual foi o processo que a levou à vitória?

Carlos Guinote: A nova lista foi construída com base nos trabalhadores da Petroquímica, cujo conhecimento político conhecíamos, eu e o Landum, com o qual formei o “núcleo” duro de absoluta confiança.

Recolhidas as várias adesões, passámos a reunir na cantina da Faculdade de Ciências de Lisboa, para elaborar programa e acertar os nomes definitivos para a lista.

Concorremos com a lista B às eleições efetuadas no Espelho de Água, em Belém. A dinâmica foi tal que a direção fascista se viu obrigada a ceder às nossas exigências de eleição com assembleia para apresentação de programas, em espaço suficientemente grande e neutro, porque já tínhamos organizado várias excursões para o evento. De notar que a lista A dos patrões, teve menos 7 votos que o total dos candidatos da lista.

Resultados saídos das urnas em voto secreto: Lista A 11 votos e lista B 490 votos.

Neste processo foi já possível organizar núcleos em muitas empresas, que tiveram o papel de organizar a distribuição da convocatória e de organizar as excursões.

Esquerda.net: A direção anti-fascista do sindicato o que procurou fazer, que principais lutas travou e que apoio teve dos trabalhadores?

Carlos Guinote: A nova direção não se limitava aos eleitos para o órgão. Participavam nas reuniões todos os eleitos da Direção, Assembleia Geral e Conselho Fiscal. O passo seguinte à eleição foi procurar economistas para o apoio técnico na elaboração dos contratos de trabalho. Contratámos 3 jovens de economia no movimento estudantil contestatário do fascismo e dois advogados de esquerda. O advogado, o chefe de secretaria e uma funcionária, comprovadamente denunciantes aos patrões das queixas dos trabalhadores, na anterior direção, foram despedidos.

A grande pedrada no charco lançada pele nova direção,e que foi pioneira na época, foi a criação de delegações do sindicato nas zonas de habitação dos trabalhadores químicos. Na altura os trabalhadores viviam próximo das fábricas e com este processo conseguíamos fazer reuniões com casas cheias em Moscavide, Sacavém, Póvoa de Santa Iria, na Sede e Amadora. Este trabalho englobava reuniões para os delegados de segurança, para os delegados sindicais na preparação dos contratos, e reuniões gerais sobre habitação, educação, etc. As reuniões com os delegados sindicais e delegados de segurança, faziam parte de um processo de discussão e mobilização para as reuniões finais que culminavam na sala da Voz do Operário sempre a abarrotar, conforme se pode ver em fotografias, e esse sucesso era devido ao grande trabalho dos delegados na organização de excursões.

Na discussão dos contratos de trabalho com os patrões nunca deixámos de convidar trabalhadores para assistirem às discussões. Queríamos que eles assistissem ao nosso trabalho. Com frequência convidávamos uma família de trabalhadores, com os filhos, para apresentarmos um menu alimentar e todas as outras despesas, para justificar as nossas reivindicações. Isto deixava o Basílio Horta, secretário da Confederação da Indústria, e os patrões, muito incomodados…diziam que lhes devíamos poupar ”àquele espetáculo”…

O ensino do 1º ciclo do liceu para os trabalhadores, em todas as delegações, foi um êxito, mau grado a PIDE ter prendido 8 colaboradores do sindicato entre os quais alguns professores.

Esquerda.net: Qual o papel dessa nova direção do sindicato dos Químicos na renovação do movimento sindical e na criação da CGTP?

Carlos Guinote: Desde a eleição da Direção que encetámos contactos com o embrião do que viriam a ser as reuniões intersindicatos, como se chamava, o que viria a dar o nome à INTERSINDICAL. Como seria natural, o nosso trabalho nas reuniões intersindicais pautava-se pela defesa de mais ação com os trabalhadores em vez da prática quase exclusiva dos abaixo assinados(a maioria dos sindicatos tinham dirigentes do PCP). Depois do 25 de Abril ainda colaborei no Secretariado da Inter, mas as divergências políticas e o sectarismo de parte a parte levaram-me a abandonar as reuniões.

Esquerda.net: Qual o papel dessa direção sindical para a vitória do 25 de Abril? E que contributo para a luta dos trabalhadores pós 25 de Abril?

Carlos Guinote: Após o 25 de Abril, os trabalhadores dirigidos pela direção sindical foram à conquista dos seus direitos ainda não conseguidos. Exigências de locais dignos para comerem, duches, mais salário, etc. Foi um processo de muitas conquistas, mas nalguns casos muito doloroso para os trabalhadores e dirigentes, naqueles casos em que as administrações das empresas, ainda habituadas ao fascismo, demitiam os trabalhadores que faziam exigências, ainda que estivessem contempladas no contrato de trabalho. Isto aconteceu com trabalhadores que antes do 25 de abril não pertenciam ao sindicato dos químicos e que, pela fama do sindicato, vieram “asilar” nos químicos por afinidade de atividade(plásticos, cerâmica, moagens).

Dois casos de sucesso com complicações diferentes:

Uma empresa de Porto Alto despediu um trabalhador por ser encontrado a fumar onde era proibido mas onde os chefes fumavam. Propus a paragem da fábrica, perante a reticência da administração na readmissão do trabalhador. Três semanas de greve muito dolorosas, sobretudo para mim que nalguns momentos via os trabalhadores a não acreditar na vitória. Os patrões, austríacos, mostravam os supostos bilhetes de avião para partirem, dizendo que a responsabilidade da fábrica fechar era do “sr. Guinote”, e “ele que vos pague os ordenados”. Foi um grande trabalho de mentalizaçao nos três turnos para aguentar os ânimos em cima, mas saímos vencedores. Não cabe neste espaço as peripécias da luta. Os patrões cederam quando nos viram a recolher fundos em espetáculos que promovemos e junto dos automobilistas na estrada!!!! Ufff que perdi muitas horas de sono!

Uma outra luta vencedora mas mais simples e interessante, foi a paragem de uma fábrica em Lisboa, com centenas de trabalhadores, onde foram despedidos 23 por reivindicarem lugar para comer e duches, de acordo com o contrato. Fui lá e não consegui que a administração os readmitisse. Sabedor da existência de um grande stock de ténis em armazém, propus em plenário, ali valia tudo, irmos vender o calçado para as praias(estávamos no verão). A proposta foi aprovada e ato contínuo exigimos ao fiel de armazém as chaves dos armazéns.

Fomos novamente à administração, com as chaves na mão, dizer qual a decisão do plenário e tudo acabou em bem com a readmissão dos 23 trabalhadores.

Estes foram alguns contributos para cumprir Abril.

Entrevista recolhida por Carlos Santos