Somos todos Rúben Marques

porJoão Mineiro

23 de março 2013 - 23:13
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Em Portugal, a violência policial é uma constante e a morte de Rúben não é um caso de excecional, é um caso que confirma a regra.

Há uma semana atrás, dia 16 de Março, morreu na Bela Vista um jovem de 18 anos vítima de uma perseguição policial. Não é fácil compreendermos quanta deve ser a dor de perder uma pessoa tão jovem, de quem gostamos tanto e de forma tão absurda como foi a de Rúben Marques. A morte do jovem provocou diversas manifestações contra a polícia no bairro e motivou um debate público sobre o poder da polícia e as causas da morte de Rúben. O mais importante, parece-me, é responder a todos aqueles que defendem a polícia com a dureza e a brutalidade da realidade: em Portugal, a violência policial é uma constante e a morte de Rúben não é um caso de excecional, é um caso que confirma a regra.

Tony, Angoi, Corvo, Kuku, Seedorf, Toninho, MC Snake, Rúben Marques, PTB, Flávio Rentim, Crespo, Tete e tantos outros já morreram e nunca foi feita justiça. Além disso, se fizéssemos um arquivo da violência nas esquadras de polícia dos bairros da periferia de Lisboa, das perseguições aos imigrantes, da tortura nas prisões ou da violência sobre as manifestações constatávamos que a violência policial em Portugal é uma normalidade. As forças de (in)segurança têm um poder absolutamente autocrático: podem infringir a lei de várias formas, que o seu poder permanece inquestionável.

Somos todos Rúben Marques. Rúben Marques despistou-se depois da polícia ter usado armas (é irrelevante se são de fogo ou de balas de borracha, que também podem matar) para o tentar parar. Direta ou indiretamente, a polícia matou Rúben. Poderíamos perguntar se na formação de polícia, os professores se esquecem de referir aquele capítulo que diz que os policias só podem usar armas no caso de terem a sua integridade física em risco. Mas o problema não está ai: o problema está no país onde se permite que a polícia mate, agrida e torture e ninguém ousa apurar responsabilidades.

O único contributo que a presidente da Câmara de Setúbal tem para dar ao debate é fugir ao debate, pedindo mais polícia de proximidade, como se mais polícias de proximidade evitassem os abusos e a violência policial ou como se o problema da violência policial estivesse relacionado com o número de polícias que andam na rua.

De facto, o problema não está nem no número de polícias, nem na forma do policiamento. O problema é estrutural e tem sobretudo que ver com o papel e o poder da polícia, e com a ausência de mecanismos democráticos de prevenção, de controlo e responsabilização das forças de segurança.

Rúben Marques simboliza tudo isso. Simboliza a facilidade com a polícia usa as armas. Simboliza uma polícia que neste caso, como em tantos outros, usa ilegitimamente o seu poder. Simboliza mais uma morte causada pela irresponsabilidade. Simboliza a ausência de responsabilização política das forças de segurança.

Quando comecei a fazer ativismo lembro-me da morte de um jovem na Amadora pelas mãos da polícia. Foi há cinco anos. Nesse tempo cantava-se que “há mais skinheads na PSP do que no PNR” num álbum de rap português que marcou uma geração. Poucos anos depois um outro rapper, MC Snake, morre com tiro da polícia por alegadamente ter fugido de uma operação stop. Tinha os papéis em dia, não tinha droga, não tinha bebido. Nesse dia houve um lar que ficou mais vazio, o bairro, os seus amigos e a música rap ficou de luto. Lembrar Snake, Rúben e tantas outra vitimas da violência policial deve ser um exercício constante. É preciso fazer da memória um instrumento de luta política.

Somos todos Rúben Marques. Não deixaremos que a sua morte seja esquecida.

João Mineiro
Sobre o/a autor(a)

João Mineiro

Sociólogo e investigador
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